MENSAGEM DE ZAVEN PARÉ
Quando recebi o convite para participar nesta Jornada Internacional da Marioneta, pensei em primeiro lugar que se tratava de uma comemoração em memória de todas as marionetas desaparecidas, esquecidas ou comidas pelo caruncho. Mas ao descobrir o tema das novas tecnologias, dei-me conta de que se tratava talvez mais de uma jornada para tentarmos lembrar-nos do futuro. Imaginá-lo nunca foi coisa fácil porque parece logo presente quando se apropria dos nossos devaneios.
De manhã, quando saímos dos nossos sonhos, utilizamos cafeteiras eléctricas. Basta carregar num botão. Depois, esses aparelhos não servem para mais nada durante todo o resto do dia. Ficam provavelmente em espera, como os outros robôs domésticos arrumados nas prateleiras. No entanto, mesmo partilhando o espaço doméstico e funcionando apenas alguns minutos, uma cafeteira não passa de uma coisa. Então, porque é que o futuro parece cada vez mais pertencer às máquinas?
Se bastam três pedaços de madeira para animar uma figura, que dizer duma cafeteira inteligente ou de criaturas à nossa imagem, animadas pela electricidade, feitas de motores e de bombas? E os robôs não são mais complexos que os electrodomésticos. Só lhes falta a palavra para nos confiarem o seu tédio. O espelho do autómato nunca está assim tão longe.
O espelho da marioneta oferece, quanto a ele, uma perspectiva um pouco diferente sobre o mundo e os seus artifícios. Nos dias de hoje pode acontecer um marionetista ser convidado por engenheiros para tornar harmoniosos os movimentos dum robô, como aconteceu com o mestre de Bunraku Kanjuro III, que visitou o laboratório do robótico japonês Hiroshi Hishiguro em 2010. Amanhã, talvez romancistas venham a participar na construção das personalidades de novos avatares, porque não basta animar o inanimado — é necessário também ser capaz de contar histórias. Já conhecemos histórias de robôs, e alguns deles até podem tornar-se actores, incarnando personagens. Esses robôs falam de um futuro mais ou menos distante e improvável, em que representam papéis de companheiros, de parceiros, de colegas, de acompanhadores, de amigos ou de concorrentes. Por enquanto, funcionam como marionetas porque são pré-programados na base de protocolos semelhantes aos dos ensaios técnicos utilizados no teatro, ou então tele-comandados, tele-controlados, tele-manipulados ou tele-robotizados. Os robóticos até inventaram um acrónimo para designar esse dispositivo: o SWoOZ Setup (Super Wizard of Oz). Essa plataforma põe um manipulador num compartimento diferente do laboratório, nos bastidores de um espectáculo onde se encontram robôs.
«Controlar e imitar para simular» é o mantra da robótica humanoide, e «manipular para interpretar e representar» é o do marionetista. Este paralelo sublinha a proximidade das duas disciplinas e a sua capacidade de se enriquecerem mutuamente nos projectos que propõem aos espectadores.
A robótica já está por todo o lado, nos bastidores dos espectáculos como nos do mundo. Com os drones, suspende objectos que até então caíam por gravidade, ultrapassa a precisão do movimento humano e é brilhante na repetição. Mas o que as artes da marioneta nos lembram é que nenhum objecto é inteiramente autónomo. Lembremo-nos do botão da cafeteira. E pensemos também que a mecânica duma máquina se desgasta, que as suas baterias se descarregam e que tudo pode ficar empanado.
Que seria dos robôs se não houvesse as marionetas para lhes lembrar que tudo está preso por um fio?
Zaven Paré
(tradução de Christine Zurbach)